A Advocacia do Senado defendeu, no Supremo Tribunal Federal, que seja rejeitada a ação do presidente Jair Bolsonaro para suspender as medidas tomadas pela CPI da Covid em razão de ele ter divulgado a informação falsa de que a vacina contra a Covid aumenta o risco de infecção pelo vírus da Aids.
Em manifestação à Corte, advogados da Casa Legislativa afirmaram que as providências tomadas pela comissão estão dentro da legalidade e que o presidente não está imune aos poderes de investigação do Poder Legislativo.
“Não há nenhuma palavra na Constituição da República que imuniza o Chefe do Poder Executivo face aos poderes de investigação do Poder Legislativo”, afirmaram os advogados do Senado.
“O que há, por exemplo, no § 2º do art. 50 da Carta Política, no que omite o Presidente da República do rol das altas autoridades do Poder Executivo que devem prestar sob coerção contas de seu ofício pessoal perante o Congresso Nacional, é uma regra que, no máximo, mitiga – e não anula – os poderes de investigação do Parlamento em relação ao Chefe de Estado e sinaliza a necessária observância da regra entre harmonia entre os poderes, mas na medida do possível, porque na República não há prerrogativas e direitos absolutos”, completaram.
As informações enviadas atendem a uma determinação do ministro Alexandre de Moraes. No último sábado (30), Moraes ordenou o envio dos dados antes de analisar o pedido de liminar (decisão provisória).
Antes de concluir os trabalhos, a CPI aprovou requerimento no qual pediu ao Supremo a quebra do sigilo telemático, o banimento do presidente das redes sociais e uma retratação pela declaração falsa. A comissão também quer que o ministro inclua a declaração de Bolsonaro sobre vacinas e Aids no inquérito das fake news, no qual o presidente já é investigado.
Na “live” semanal do dia 21 de outubro, por uma rede social, o presidente disse que relatórios oficiais do Reino Unido teriam sugerido que pessoas totalmente vacinadas contra a Covid estariam desenvolvendo Aids. A afirmação é falsa. Não há relatório britânico que faça essa associação nem relação entre vacinas e desenvolvimento de Aids. Em razão da declaração, Facebook, Instagram e YouTube removeram a “live” do presidente.
Argumentos da CPI
Por meio da Advocacia do Senado, a comissão respondeu nesta segunda-feira (1o). No documento, os técnicos apontam que a aprovação do requerimento com as providências foi regular.
“O requerimento impugnado encontra-se sobejamente fundamentado, uma vez que restou claro que, diante da utilização sistemática das redes sociais do impetrado para infirmar os esforços de combate da pandemia de Covid-19, o que se insere no aspecto nuclear, tornou-se imperativo a transferência dos dados referidos na proposição. 50. A abrangência temporal da transferência em tela coincide que o período de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito e se justifica porque têm estrita relação de pertinência com as investigações legislativas em questão”.
A Advocacia do Senado apontou ainda que considerar que o presidente não pode ser investigado representa uma transgressão a princípios rebulicanos. E que, na ação que discutiu o poder da CPI de convocação de governadores, não ficou decidido que as autoridades do Poder Executivo não podem ser investigadas, mas apenas que não são obrigados a depor nas comissões.
“Conceder que o Poder Legislativo da União não pode em absoluto investigar o Presidente da República, e por consequência, a Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores não podem investigar Governadores e Prefeitos, respectivamente, é transgredir a regra republicana de universalidade de jurisdição e de direitos da minoria. Este Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 848 , não assentou que os Chefes dos Poderes Executivos não podem ser investigados pelo Poder Legislativo da respectiva esfera da Federação como quer o impetrante, mas tão somente que não podem ser obrigados a depor em comissões parlamentares de inquérito de outro ente federativo”.
Eles rebateram ainda a tese de que uma investigação contra o presidente só pode ser realizada pelo procurador-geral da República. Neste ponto, lembraram que Bolsonaro já é alvo de investigação pelo Supremo, no inquérito que apura notícias fraudulentas e ameaças a ministros da Corte.
“A tese de que a investigação do Presidente da República precisa ser iniciada e mediada necessariamente pelo Procurador-Geral da República também não se sustenta, já que Jair Messias Bolsonaro já está sob investigação perante este Egrégio Supremo Tribunal Federal no bojo do referido Inquérito nº 4781 , sem que se tenha observado essa condicionante”.
A Advocacia do Senado apontou ainda a gravidade das informações falsas divulgadas sobre a vacina. Citou ainda o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral sobre as ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão. Na visão dos advogados, “o TSE assentou que ficou comprovado o uso ilegal de mídias sociais pelo impetrante no contexto das eleições de 2018 e que sua chapa só não foi cassada porque não foi possível comprovar que essa ilicitude teve o condão de decidir o resultado das eleições”.
“A Comissão Parlamentar de Inquérito, diante da gravíssima “fake news” proferida e difundida pelo impetrante, que já até reconheceu o erro e se desculpou pelo fato, e já às vésperas da aprovação de seu relatório final, procedeu conforme o respectivo mandamento constitucional, determinando a transferência de dados das redes sociais utilizadas para a disseminação de fake news pela assessoria do Presidente da República diretamente ao Supremo Tribunal Federal e ao Procurador-Geral da República, bem como a suspensão de acesso aos respectivos perfis para fins de se evitar a destruição de provas”, ressaltaram.
“Assim, esses dados integram para todos os fins o relatório final aprovado pela Comissão Parlamentar de Inquérito e são imprescindíveis à consecução das medidas determinadas no documento”, prosseguiram.
“A CPI apontou no relatório final a existência de um verdadeiro sistema em torno do Presidente da República, inclusive instrumentalizando suas redes sociais, para
propagação de “fake news” com vistas a promoção de interesses particulares em detrimento até mesmo da saúde dos brasileiros no contexto da pandemia”, concluíram.
Pedido ao Supremo
No pedido ao STF, no último dia 27, a Advocacia-Geral da União afirma que Bolsonaro não pode ser alvo de uma CPI e que o requerimento extrapola as competências da comissão.
“É importante destacar que o impetrante [Bolsonaro] não participou da comissão sequer como testemunha. E nem poderia ser diferente, já que o Presidente da República não pode ser investigado no âmbito de CPIs ou de qualquer outra Comissão Parlamentar, seja a que título for”, diz o texto da AGU ao Supremo.
Segundo a Advocacia-Geral, a CPI inverteu “de forma integral” a garantia dos direitos de Bolsonaro e “determinou a adoção de várias providências em seu desfavor, dentre elas destaca-se a quebra de sigilos dos seus dados telemáticos, quando, repita-se, sequer pode o Presidente da República ser investigado no âmbito da CPI”.
As providências solicitadas pela comissão contra o presidente foram enviadas no dia 27 à Procuradoria-Geral da República para manifestação. Na ação, os senadores pedem que seja dado o prazo de 15 dias para a PGR instaurar investigação. De acordo com o pedido, se a PGR não cumprir o prazo, a CPI reivindica ao STF, com base no artigo 103 da Constituição, que autorize entidades como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), partidos políticos e até governadores, a assumir a prerrogativa de pedir a abertura de inquérito e propor ações penais contra Bolsonaro na Justiça.
Segundo o documento da CPI, Bolsonaro foi autor nos últimos 18 meses “de declarações que minimizaram a pandemia, que promoveram tratamentos sem comprovação científica e que repudiaram as vacinas, validando, na mais alta esfera política e midiática, a desinformação circulada nos perfis oficiais de instituições federais”.
Para os senadores, “é urgente a adoção de reação enérgica para garantia dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, em especial o direito à vida e o direito à informação, ora vergastados (açoitados) pelo próprio presidente da República, com utilização de recursos materiais e imateriais de poder que deveriam estar a serviço da sociedade e de suas instituições”.
Fonte: G1









