A recuperação da economia brasileira perdeu fôlego no 2º trimestre, evidenciado que ainda há uma série de obstáculos para a retomada e para a melhora das expectativas. Dados divulgados nesta quarta-feira (1º) pelo IBGE mostraram que o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,1% no 2º trimestre, na comparação com os três primeiros meses do ano.
A queda ocorre após a surpresa positiva da alta de 1,2% no 1º trimestre, refletindo quebras de safras na agricultura, falta de insumos em cadeias da indústria e uma normalização ainda incompleta de diversos setores, sobretudo o de serviços – o mais impactado pela pandemia de coronavírus.
Com o avanço da vacinação e fim das restrições sanitárias na maior parte do país, a expectativa é que o PIB do terceiro e quarto trimestre retome a trajetória de recuperação. Mas em em meio a um cenário de inflação nas alturas, de juros subindo, de escalada da tensão política, de preocupações com o agravamento da crise hídrica e de antecipação da disputa eleitoral, os analistas passaram a revisar para baixo as previsões econômicas.
Economistas ouvidos pelo G1 alertam que tem aumentado o nível de incerteza em relação à economia. Embora permaneça a expectativa de um crescimento do PIB até mesmo acima de 5% em 2021, boa parte dos analistas já vê para 2022 um crescimento mais próximo de 1,5% do que de 2%.
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Variação trimestral do PIB desde 2016 — Foto: Elcio Horiuchi e Guilherme Luiz Pinheiro/G1
São ao menos 10 fatores de risco podem frear a economia:
- Inflação persistente
- Juros em alta e crédito mais caro
- Crise institucional e tensão política
- Desarranjo nas contas públicas
- Dúvidas sobre agenda de reformas
- Crise hídrica
- Desemprego elevado e queda da renda
- Recuperação desigual dos setores
- Cenário global menos favorável
- Esgotamento do impulso do desliga e liga da economia
1 – Inflação persistente
A inflação no acumulado em 12 meses já ultrapassou 9%, e está cada vez mais acima do teto da meta estabelecida pelo governo para a inflação deste ano, que é de 5,25%. Entre os grandes vilões do ano, estão a disparada nos preços da gasolina e da energia elétrica.
Por ora, a expectativa do mercado para a inflação de 2021 é de 7,27%, segundo a última pesquisa Focus do Banco Central. Para 2022, a projeção está em 3,95%, mas já se posiciona em patamar acima da meta central para o ano que vem, que é de 3,5%.
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IPCA-15: prévia da inflação oficial acumulada em 12 meses, segundo o IBGE — Foto: Economia G1
2 – Juros em alta e crédito mais caro
A taxa básica de juros (Selic), que no início do ano ainda estava na mínima histórica de 2% ao ano, já sofreu 4 elevações e está atualmente em 5,25% ao ano. Para os próximos meses são esperadas novas altas e parte do mercado já projeta uma taxa mais próxima de 8% na virada do ano.
Juros mais altos encarecem o crédito e prejudicam também a tomada de recursos para o consumo das famílias e investimento das empresas.
A escalada da tensão política, com conflito entre os poderes e reiteradas ameaças do presidente Jair Bolsonaro às instituições e ao sistema eleitoral também têm elevado a percepção de risco dos investidores e as incertezas em relação à economia brasileira.
Nas últimas semanas, o dólar voltou a atingir R$ 5,40 e a Bolsa zerou os ganhos no ano, em meio à ruídos políticos e perda de credibilidade da agenda liberal prometida pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
As crises criadas por Bolsonaro elevam a incerteza, o que impede a queda do dólar, faz subir a curva de juros de longo prazo e afeta também a confiança de empresários e investidores.
“Economia não anda sozinha, sem a política. Os investidores olham para frente e não conseguem ver uma saída muito clara. Isso para o mercado e para a economia é a pior coisa. Como se toma uma decisão de investimento de 20, 30 anos, se não se sabe como o cenário político nacional vai estar daqui 2 anos”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, citando as ameaças do presidente à ordem democrática.
Bolsonaro já é alvo de quatro inquéritos no STF e um no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Variação do dólar em 2021 — Foto: Economia G1
4 – Desarranjo nas contas públicas
Medidas orçamentárias consideradas populistas e eleitoreiras também pioram a percepção de investidores sobre a sustentabilidade das contas públicas.
Com a popularidade mais baixa, o governo Bolsonaro enviou ao Congresso uma proposta para criar o programa social Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família. O presidente prometeu um aumento de, no mínimo, 50% no valor médio do benefício, mas ainda não se sabe de onde virá o recurso para bancar o programa.
Numa tentativa de abrir espaço no Orçamento, o Executivo também enviou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para parcelar o pagamento dos precatórios a partir de 2022, num movimento que tem sido interpretado como uma tentativa de flexibilização do teto de gastos (regra que não permite o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior).
As contas do setor público estão no vermelho desde 2014. Ou seja, há 8 anos o Brasil tem gastado mais do que arrecada com impostos, o que gera o chamado déficit primário e amplia o endividamento.
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Contas do setor público estão no vermelho desde 2014 — Foto: Economia G1
A própria inflação mais elevada também coloca mais pressão fiscal, uma vez que diversas despesas obrigatórias, como aposentadorias, seguro-desemprego e abono salarial, são corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que tem subido mais forte que IPCA, que é a referência para o valor do teto de gastos.
“Cada 1 ponto percentual do INPC acima da projeção oficial dá mais ou menos uns R$ 8 bilhões a mais de gastos. Não há espaço fiscal e as demandas são infinitas”, afirma Matos.
5 – Dúvidas sobre agenda de reformas
Cresce também o ceticismo sobre o andamento no Congresso Nacional de propostas como as reformas tributária e administrativa. Os analistas cotam o desconforto dos agentes econômicos com o projeto de reforma do imposto de renda, que por falta de acordo não tem mais previsão de votação na Câmara dos Deputados.
A avaliação é que, se não foram votadas até o final do ano, não será em ano de eleições que projetos de reformas estruturantes serão colocadas em votação no Congresso, ainda mais diante de um cenário de crise institucional e de conflito aberto entre os poderes.
“Já achávamos que o ano de eleição será muito tenso e turbulento, mas o risco já está contaminando 2021. O calendário eleitoral já se antecipou”, destaca Matos.
6 – Crise hídrica
O governo segue afastando a necessidade de racionamento de energia e Guedes disse que “não adianta ficar chorando”. Mas o agravamento da crise hídrica preocupa, pois tende a ter impactos não só na inflação, mas também no PIB, podendo frear o crescimento industrial e agropecuário, intensivos em energia e água.
O preço da energia elétrica já subiu quase três vezes mais que a inflação ao longo dos primeiros 8 meses de 2021, refletindo em aumento disseminado nos preços de diversos produtos e serviços.
Na agricultura, a crise hídrica já afeta a produção de milho e cana-de-açúcar por exemplo. Diante da quebra de algumas safras, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) cortou de 2,6% para 1,7% a expectativa de crescimento PIB da agropecuária em 2021.
Os impactos da crise hídrica devem ficar mais visíveis no 4º trimestre. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já alertou que, a partir de outubro, a capacidade atual do país de geração de energia elétrica será insuficiente para atender à demanda.
7 – Desemprego elevado e queda da renda
A recuperação do mercado de trabalho segue fraca. Ainda são mais de 14 milhões de desempregados no país, o que limita a confiança e o consumo das famílias – principal motor do PIB nos últimos anos.
Os dados do IBGE também mostram que o rendimento médio do trabalhador no 2º trimestre ainda estava 6,6% abaixo do registrado no mesmo período do ano passado. Já a massa de rendimentos dos trabalhadores, que é a base do consumo das famílias, caiu 1,7%.
“Ainda tem muita gente fora do mercado de trabalho e o emprego, principalmente dos informais, continua dependendo de uma recuperação do setor de serviços. O auxílio emergencial voltou em abril, mas é mais restrito, o que acaba limitando o consumo das famílias”, afirma Silvia Matos.
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Apesar de recuo, país fechou o primeiro semestre do ano com 14,4 milhões de desempregados — Foto: Economia/G1
A disparada da inflação também tem corroído o poder de compra do brasileiro, principalmente dos mais pobres, que passaram a ter mais dificuldades para comprar alimentos. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a cesta básica já custa mais que a metade do valor do salário mínimo.
8 – Recuperação desigual dos setores
Embora o PIB tenha retomado já no 1º trimestre o patamar pré-pandemia, a recuperação é desigual, com vários setores ainda longe da normalização, sobretudo os ligados a atividades de lazer ou de caráter mais presencial. Os serviços prestados às famílias, por exemplo, ainda estavam 22% abaixo do patamar pré-pandemia no final de junho.
Mas não é só o setor de serviços que ainda segue afetado pelos impactos e mudanças de hábitos de consumo provocados pela Covid-19.
Na indústria, a maior parte das atividades industriais ainda não eliminou as perdas e o setor tem sido impactado pela a dificuldade de obtenção de matérias-primas e pelo aumento dos custos de produção. Nas fábricas do segmento têxtil e automotivo, o nível de produção fechou o 1º semestre 15% abaixo do volume de fevereiro do ano passado.
No comércio, as atividades que ainda não retomaram a performance de antes da chegada da Covid são as ligadas a vendas de veículos, combustíveis, vestuário, material de escritório e livros e papelaria.
Na cena externa, o cenário de fim de programas emergenciais de estímulos e sinais de desaceleração da economia chinesae de uma inflação mais alta nos Estados Unidos têm contido também o otimismo dos agentes econômicos ao redor do globo.
Permanecem também as preocupações com a disseminação da variante delta do coronavírus e problemas de gargalos na oferta, como elevação de custos de matérias-primas e falta de insumos em diversas cadeiras produtivas como a do setor automobilístico – um dos mais afetados pela crise na oferta de semicondutores, inclusive no Brasil.
“Esses fatores tendem a tornar o crescimento global mais volátil no curto prazo e terão o efeito de moderar as projeções de mercado para o crescimento das principais economias”, avalia a equipe da LCA Consultores em relatório semanal, destacando que as projeções de mercado para o crescimento do PIB dos EUA em 2021 se deslocaram de 7% para taxas mais perto de 6%.
Sondagem da FGV mostrou que 46,2% dos agentes econômicos ainda consideram grave o problema de desabastecimento de insumos e/ou matérias primas e que predomina a percepção de que o ciclo de alta das commodities não será tão duradouro, devendo durar apenas por mais um ano.
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Evolução do PIB do Brasil e projeções — Foto: Economia G1
10 – Esgotamento do impulso do desliga e liga da economia
As recentes revisões para baixo nas projeções para o PIB, sobretudo o de 2020, têm levado em conta também a percepção de esgotamento até o final do ano do impulso advindo da reabertura do setor de serviços – o mais afetado pela pandemia e que possui peso de mais de 70% no PIB.
“Pelo lado da pandemia, apesar dos desafios, a gente até vê luz no fim do túnel. A gente vai ver a normalização do setor de serviços como se viu em outros países. O PIB tende a ficar positivo, mas é simplesmente em razão do liga e desliga da economia. E a recuperação agora vem com mais freios e novas nuvens negras no horizonte“, afirma Matos.
Os economistas lembram que o crescimento ao redor de 5% esperado para 2021 parece expressivo, mas é muito mais um efeito estatístico após o tombo do PIB em 2020.
A avaliação geral para 2022 é de um cenário de volta ao padrão medíocre de crescimento que tem sido observado desde a saída da recessão em 2016.