Guerreiros de Caatinga: um dia com os policiais militares dos sertões do Ceará

Foto: Aline Freires

Publicidade

Galhos secos que parecem se espreguiçar pelo céu, sob um sol que vez ou outra se esconde por nuvens que ainda trazem esperança de chuva ao sertanejo durante essa época. Estradas de terra e uma vegetação típica que sobrevive à escassez de água durante a maior parte do ano. Quase como uma resiliência do homem às características hostis da caatinga, os policiais militares do Batalhão Especializado do Policiamento do Interior (Bepi) da Polícia Militar do Ceará (PMCE) se unem ao que eles chamam de “mata branca”, por meio de um fardamento que se camufla facilmente ao ambiente.

Em “O Quinze”, de Rachel de Queiroz – escritora cearense que abordou a seca de 1915 como tema central de sua obra – descreve como o cavalo de Vicente, um dos personagens da história, percorria uma estrada sertaneja com seus cascos que “pareciam tirar fogo nos seixos do caminho”. É com esse sentimento de tirar brasa em cada passo, que esses policiais especializados percorrem as “rodagens” com o intuito de inibir e agir contra qualquer atividade ilícita.

Em uma referência ao Dia Nacional da Caatinga, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE) preparou um material especial para mostrar o dia a dia desses homens que passam por um rigoroso treinamento capaz de prepará-los para ocorrências diversas, além de explorar detalhes existentes nas composições do Comando Tático Rural (Cotar) e da Companhia de Operações de Divisas (COD).

Guerreiros de Caatinga

Logo nos primeiros raios de sol, duas composições partem para ações na Região Norte do Ceará, na cidade de Canindé e adjacências. Mas antes de seguirem para seus destinos, os policiais militares se unem em um momento que eles chamam de “Oração do Guerreiro de Caatinga”. Com olhos fechados, todos proferem a prece juntos, mas cada um pondo à frente individualmente aquilo que acredita. Dessa forma, os policiais pedem proteção para mais um dia de trabalho. O momento remete à fé sertaneja cantada por Luiz Gonzaga em uma de suas músicas que melhor representam a cultura nordestina e sua religiosidade: a Ave-Maria Sertaneja. Essa mesma canção é sempre colocada às 18 horas nos exaustivos 45 dias de treinamento daqueles que pretendem ingressar na carreira de policial do Bepi.

Após esse momento, as equipes preparam seus equipamentos e seguem pelas estradas cearenses que levam ao interior do nosso Estado. Um ponto em comum entre esses policiais militares é o notório orgulho de pertencer à unidade. Um desses homens é o 1º tenente Jailton Martins, comandante do Cotar. “Hoje em dia, o Bepi se tornou uma referência nacional na área de caatinga. Todo policial militar, especialmente aquele que vem do interior, tem esse sonho de pertencer a essa unidade. É um orgulho tremendo”, ressaltou ao ser questionado acerca do sentimento de vestir o uniforme do batalhão especializado.

Falando em uniforme, ele aproveita para explicar o porquê das cores que marcam o traje do Cotar e da COD. “Esse fardamento foi escolhido para representar a cor característica da caatinga. É um bioma conhecido pela sua vegetação seca, é a ‘mata branca’. Então, com esses traços, essa roupa é capaz de se camuflar bem no meio da vegetação”, ressalta ao explicar que isso coloca o policial militar em vantagem diante de qualquer ameaça ou risco iminente.

Não é uma imagem que as pessoas têm acesso o tempo todo, mas por meio de fotografias é possível perceber como funciona essa camuflagem citada pelo tenente. Ao serem captados pelas lentes de câmeras fotográficas, os policiais militares parecem se fundir à vegetação e aos solos secos que compõem o sertão.

Outro fato que chamou atenção foi o momento quando durante uma incursão tática pela mata, um policial militar apoiou de forma tática o fuzil sobre o xiquexique, uma planta tradicionalmente nordestina, conhecida pelo seu corpo repleto de espinhos. Se a sua aparência espinhenta traduz a hostilidade do ambiente, flagrar aquele instante é como presenciar o icônico momento em que esses homens convertem todas as adversidades da caatinga a seu favor.

Diferença entre a COD e o Cotar

Cotar e COD possuem objetivos em comum e se complementam. Apesar de ambos possuírem a mesma capacitação para ações em ambientes inóspitos, a Companhia de Operações de Divisas (COD) apresenta um trabalho mais direcionado, como o próprio nome já diz, para as divisas do Estado. A unidade nasceu do Batalhão de Policiamento de Divisas, que até o ano de 2019, ainda era ligado diretamente ao então Batalhão de Polícia Rodoviária Estadual (BPRE).

Após publicação do Decreto Estadual nº 32.974/2019, com a alteração da estrutura organizacional da Polícia Militar do Ceará, o Batalhão de Policiamento de Divisas se tornou Companhia de Operações de Divisas, subordinada ao Bepi e ao Comando de Polícia de Choque (CPChoque). Já o Comando Tático Rural (Cotar) surgiu em 2012 com a finalidade de atuar na repressão de assaltos a bancos e de ataques a carros-fortes realizados por grupos criminosos. Também em 2019, ganhou um novo batalhão e passou a fazer parte do 4º Batalhão Especializado em Policiamento do Interior (Bepi/Cotar).

“Os finalmente se unem”, comenta o capitão Edilson Brito, comandante do COD, quando perguntado sobre a diferença entre as duas unidades. “O Bepi é um batalhão que gerencia as duas companhias e que atua em conjunto com as demais instituições de segurança nas divisas e no interior do nosso Estado”, explica. Com 25 anos de carreira na Polícia Militar do Ceará, o oficial se atenta a cada detalhe de sua composição e demonstra bastante conhecimento e expertise quando se trata de policiamento em sertões.

“Nós atuamos no combate a grupos criminosos que agem contra estabelecimentos bancários e também contra carros-fortes. Além disso, nosso trabalho visa reprimir o tráfico interestadual de drogas e armas, além do contrabando. Essa é a atuação principal da COD, mas ela auxilia o Cotar no que se refere a todas as ocorrências de grande porte no interior. Ou seja, de todos os crimes que assolam as comunidades rurais. Então, as unidades se juntam para uma cobrir a retaguarda da outra, dependendo da envergadura da missão”, comenta.

Cada parte, um todo

Acompanhar um dia dos policiais militares do Bepi é também se deparar com algumas curiosidades inerentes à equipe. No batalhão, além do Curso de Operações Táticas Rurais, também existem outras especializações que podem fazer toda a diferença nas missões mais desafiadoras. Uma dessas é a de “caçador”. Com um fuzil AGLC, calibre 308 win, ele cobre a distância a ação conduzida pelos seus companheiros de equipe. Com uma roupa ainda mais camuflada do que a comumente usada pelos demais membros da equipe, o “caçador” parece carregar a vegetação consigo mesmo, se tornando quase imperceptível aos olhos de qualquer inimigo.

“O nosso batalhão contém várias especializações. Além do Curso de Operações Táticas Rurais, nós oferecemos o curso de caçador, que se assemelha à função de sniper. Temos também o rastreador, que é o policial treinado para rastrear o criminoso que por acaso venha se embrenhar na caatinga. Esse PM é treinado para saber onde esse suspeito seguiu, para que possamos nos aproximar e fazer a prisão”, explica o tenente Martins.

Ainda durante uma incursão na “mata branca”, quando os coturnos dos policiais parecem flutuar para uma aproximação silenciosa do alvo, outro detalhe chama atenção: uma cruz vermelha no uniforme de um dos policiais. O “socorrista” é treinado tanto para atender policiais que venha a se ferir nas missões, como também para prestar socorro caso algum suspeito venha a ser ferido em confronto. “O ‘socorrista’ tanto serve para a nossa segurança, caso algum policial militar seja atingido, como também para os primeiros-socorros se porventura viermos a nos confrontarmos com algum criminoso e este venha a ser atingido”, disse.

O oficial cita por último, mas não menos importante, aquele serviço que é o mais invisível de todos: a inteligência. É fortalecendo esse trabalho e a parte ofensiva que o Ceará tem chegado a índices positivos. Um deles é a melhoria no número de crimes contra instituições financeiras. Só em 2021, a redução nesse tipo de ação já é de 33%, indo de três para dois casos quando comparado com o primeiro trimestre de 2020. O ano passado já havia fechado seus doze meses com um balanço de 42,8% de redução, indo de 14 ações criminosas para oito. Se comparado com o período de 2014, quando o índice começou a ser contabilizado, a retração foi de 88% em relação a 2020. Naquela época, foram 67 casos no ano. É importante destacar tanto a investigação da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), por meio da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), quanto o próprio Bepi, como explica o tenente Martins.

“Além das funções anteriormente citadas, o nosso batalhão também conta com o serviço de inteligência, que é responsável por mapear e monitorar as organizações criminosas que atuam dentro e fora do estado, principalmente relacionadas à modalidade criminosa conhecida como “novo cangaço”. Eles nos auxiliam muito prestando informações que são fundamentais para as equipes ostensivas realizarem as prisões”, finaliza.

 

Publicidade

Leia também