Mais de 800 processos por erro médico tramitam na Justiça do CE; entenda como a lei define a conduta

Publicidade

Morte da influenciadora digital de Juazeiro do Norte Liliane Amorim, 26, após complicações de um procedimento estético trazem discussão a tona. Para Conselho, aumento da judicialização pode se relacionar com maior cobrança de pacientes e defasagem em cursos de formação

A família da influenciadora digital de Juazeiro do Norte, Liliane Amorim, 26, que morreu no dia 24 de janeiro após complicações de um procedimento estético, pretende processar o médico que realizou a cirurgia. Casos em que a Justiça cearense é acionada para resolver situações do tipo, porém, não são incomuns. Atualmente, existem 818 processos em tramitação no Ceará referentes a indenizações por danos morais e materiais decorrentes de erro médico, de acordo com levantamento do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).

O Tribunal não informou as datas em que os processos foram abertos. Contudo, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que 608 novos processos relativos a erro médico foram abertos no Ceará, entre 2014 e 2019, seguindo uma tendência crescente. Em 2014, foram apenas quatro processos. Já em 2018, o maior da série analisada, começaram a tramitar 245 procedimentos. Em 2019, o número voltou a cair para 62 processos. O Conselho informou que os dados de 2020 ainda não foram consolidados.

Ainda conforme o CNJ, 75% dos processos de indenização por erro médico no Estado ocorrem por danos morais, correspondendo a 455 dos 608 registros. Os 25% restantes, sobre 153 registros, são relativos a danos materiais, como despesas hospitalares e medicamentos. O Conselho explicou, contudo, que pode haver duplicações, porque o mesmo processo pode constar tanto como dano moral quanto por dano material.

Advogada da família fala em negligência

No caso de Liliane Amorim, a advogada da família, Débora Araújo, acredita que houve negligência. Segundo ela, o médico Benjamim Alencar “não orientou como deveria” a paciente no período pós-cirúrgico, quando ela relatava dores após uma lipoaspiração.

Em nota, a assessoria do médico negou erros no atendimento da influencer e declarou que foram cumpridas todas as normas técnicas para a realização do procedimento cirúrgico e do pós-operatório.

Insucessos podem ocorrer, diz SBCP

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) ponderou, também em nota, que, mesmo com as regras médicas sendo “criteriosamente cumpridas dentro da ética e zelo profissional, insucessos podem ocorrer por fatores imprevisíveis que fogem ao controle do médico e da Medicina”. Contudo, lembra que somente “a análise da conduta profissional, dos fenômenos orgânicos da paciente, somados às condições estruturais na realização do procedimento elencado” pode esclarecer as dúvidas sobre cada caso.

O que é o erro médico?

Conforme explica o advogado Ricardo Madeiro, presidente da Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Ceará (OAB-CE), o erro médico se caracteriza como um ato que envolve, necessariamente, negligência, imprudência e/ou imperícia por parte do médico, implicando em um nexo de causalidade. Ele pondera, contudo, que nem todo mau resultado em uma cirurgia significa erro médico, já que todo procedimento médico, por mais simples que seja, envolve riscos.

 

“Há consequências oriundas do ato médico. Pode acontecer um insucesso, mesmo que esse ato seja envolto de diligência, de prudência e de perícia. Então, não pode ser atribuído erro médico nesses casos”, explica.

 

O comprometimento do resultado, avalia o especialista, também pode derivar da própria vítima, que pode concorrer para o resultado quando, por exemplo, não segue à risca as recomendações médicas.

Por isso, segundo Madeiro, é importante que cada caso seja analisado individualmente, com a devida escuta das partes, análise de prontuário e a junção de provas que confirmem as alegações de negligência, que é o desleixo ou desatenção na ação; de imprudência, que configura descuido ou ação precipitada; ou de imperícia, que é a falta de conhecimento técnico para realizar o procedimento.

Se houver a comprovação de que o médico foi negligente, imprudente ou imperito, o paciente ou seus familiares podem solicitar o pagamento de indenização cível. Para isso, não é preciso que tenha ocorrido óbito.

Averiguação com rigor e provas documentadas

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec-CE), Helvécio Neves Feitosa, salienta que erro médico não é sinônimo de “mau resultado”. Para ele, todo processo do tipo precisa ser averiguado com rigor e a partir de provas documentadas. “Não pode ser presumido, tem que ser comprovado. Há necessidade de todo um procedimento de apuração para estabelecer essas relações”, destaca.

“Proliferação excessiva de cursos de Medicina”

Na leitura de Helvécio, a maior judicialização dos casos, nos últimos anos, pode estar relacionada a dois fatores. Um deles é o maior nível de informação da população e, consequentemente, de cobranças diante de insatisfações. O segundo é a possível defasagem na formação de novos profissionais após a “proliferação excessiva de cursos de Medicina” no País, desde o início dos anos 2000. “A avaliação da qualidade desses cursos deveria ser bem rigorosa porque a formação pode não se dar a contento, e isso preocupa”, explica.

Riscos envolvidos

Segundo o médico, toda intervenção cirúrgica está sujeita a respostas individuais de cada organismo e a eventos adversos não previstos, como infecções hospitalares. Logo, é importante que o paciente esteja consciente e esclarecido dos riscos envolvidos.

 

“Isso às vezes assusta, mas é necessário. Ele precisa consentir sobre o procedimento ao qual vai ser submetido e ser informado numa linguagem desprovida de tecnicismo. Não podemos prometer resultado, mas devemos envidar nossos esforços para ter um bom resultado”, indica Neves.

 

Quando algum suposto erro médico chega ao conhecimento do Cremec-CE, seja por denúncia dos afetados como por apuração própria, entra em aplicação o Código de Processo Ético-Profissional (Cpep). O profissional é submetido a uma sindicância que pode se tornar um processo paralelo ao judicial, tendo direito a ampla defesa e ao contraditório. Caso seja condenado, está sujeito a medidas que variam da advertência confidencial à cassação do registro profissional. Em segunda instância, ele pode recorrer da decisão ao Conselho Federal de Medicina (CFM).

Fonte: Diario do Nordeste

Publicidade

Leia também