Vale diz que sirenes não foram acionadas por ‘velocidade’ do deslizamento em Brumadinho

Argumento é duramente criticado por especialistas e pela população, que acredita que alerta sonoro – obrigatório por lei – poderia ser salvado vidas.

A Vale informou que as sirenes de alerta da mina Córrego do Fundão, em Brumadinho (MG), não puderam ser acionadas após o rompimento da barragem principal, na sexta-feira, “devido à velocidade com que ocorreu o evento”. Até agora, foram confirmadas 99 mortes. Outras 259 pessoas continuam desaparecidas.

“Devido à velocidade com que ocorreu o evento, não foi possível acionar as sirenes relativas à barragem 1”, disse a empresa de mineração, em nota enviada à BBC News Brasil. Segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, a barragem 1, a principal, tinha 11,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro.

A BBC News Brasil perguntou à Vale, na quarta-feira, se as sirenes não deveriam funcionar independentemente da velocidade do rompimento da barragem. Também solicitou detalhes sobre o funcionamento do sistema de alerta – por exemplo, que condições fariam a sirene disparar e como era seu acionamento (manual ou automático).

Até a publicação desta reportagem, a mineradora não havia se manifestado sobre essas questões. A instalação de sistemas de alerta sonoro em áreas que podem ser atingidas pelo rompimento de barragens é obrigatória por lei.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, existe tecnologia para que alertas sonoros de emergência sejam acionados em qualquer circunstância, seja qual for a velocidade do evento. “Falar que a sirene não tocou porque o evento foi muito rápido é brincadeira”, critica Sergio Medici de Eston, professor de Engenharia de Minas da Universidade de São Paulo (USP).

“A sirene não é para tocar só quando a barragem cai. A sirene pode tocar quando a coisa começa a ficar crítica, às vezes semanas antes, para as pessoas ficarem em alerta. É como em um teatro: antes do início da peça, há um primeiro alarme, depois um segundo, até chegar o alarme final.”

“E, na última na hora, quando a barragem rompe, é preciso ter um sistema que toque na hora. Não existe isso de dizer que foi muito rápido”, completa Eston.

De acordo com Carlos Barreira Martinez, professor do Instituto de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá, que trabalha com segurança de barragens, diversos tipos de sensores podem detectar o rompimento de uma barragem e acionar as sirenes automaticamente.

“Pode ser um sensor sonoro, de pressão, de deslocamento. Registrou (anomalia), manda informação por rede sem fio e o alerta toca. Isso é muito simples. Mas custa dinheiro”. Além do alarme sonoro, diz o professor, seria possível inclusive alertar a comunidade por um app de celular que já indicasse as rotas de fuga.

“A justificativa da Vale só é plausível se o sistema deles não for de resposta rápida. E, se não tinham um sistema de resposta rápida, é porque acreditavam que a estrutura era segura, que o Titanic não ia afundar.”

Martinez ressalva ainda que, dada a proximidade entre a barragem e o refeitório da Vale, onde estava a maior parte dos desaparecidos, é possível que nem a sirene conseguisse fazer com que todos se salvassem.

Fonte : BBC News