OPINIÃO | Quando a violência contra a mulher deixa de ser estatística e volta a ser rotina

Escrevo esse texto não apenas como jornalista, mas, acima de tudo, como mulher. Nas últimas semanas, três histórias diferentes voltaram a lembrar o que o Brasil insiste em esquecer. Uma mulher teve as pernas amputadas depois de ser atropelada e arrastada por cerca de 1 km, em São Paulo. No Rio de Janeiro, duas mulheres perderam a vida porque um funcionário simplesmente não aceitava ser comandado por uma mulher. E aqui, mais perto, em Juazeiro do Norte, uma mulher grávida foi mantida em cárcere privado, queimada com ferro quente e torturada pelo próprio companheiro, com a participação da sogra.

Nenhum desses casos é acidente. Nenhum deles é exceção. Todos são sintomas de uma mesma estrutura que ainda considera o corpo feminino território disponível para violência, controle, castigo. O Brasil continua sendo um país onde mulheres pagam com carne, com osso, com sangue, por existirem fora das expectativas criadas para elas.

A mulher que perdeu as pernas não perdeu apenas a mobilidade. Perdeu o direito de seguir sua vida sem carregar para sempre a marca mais física possível do que a violência é capaz de arrancar. As mulheres assassinadas por liderarem evidenciam a verdade que muitos fingem não ver: a ascensão feminina ainda é tratada como ameaça. E a mulher torturada em Juazeiro do Norte, grávida, machucada, queimando de dor dentro de uma casa que deveria ser abrigo, nos lembra que o perigo continua morando ao lado, atrás das portas fechadas, escondido no discurso de amor que mascara controle.

Como filha do Cariri, me dói admitir que nossa região, tão cheia de cultura, fé e força, também abriga episódios de violência que revelam o quanto ainda precisamos caminhar. Mas é justamente por amar essa terra que eu escrevo. Porque denunciar também é cuidar. Porque proteger nossas mulheres também é honrar nossa história. Nós não estamos sozinhas, não somos culpadas, não fomos feitas para suportar o insuportável; nenhuma de nós nasceu para ser mutilada, silenciada, torturada ou apagada.

Se você sofre violência ou conhece alguém que sofre, procure ajuda. Disque 180.

Texto: Lorhane Santos 


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