Quando os ventos sopram forte, kitesurfistas de todo o mundo entram na água para colorir o horizonte com tons vibrantes. Estamos na Ilha do Guajiru, em Itarema, a cerca de 220 quilômetros de Fortaleza, capital do Ceará. É lá que desembarcam turistas de várias partes do planeta, atraídos pela temporada de ventos, que vai de junho até o fim de janeiro do ano seguinte.
Neste período, o turismo cearense é impulsionado por esse público, que vem em busca das melhores condições para a prática. Os ventos alísios que chegam no litoral contribuem para que o kite se transforme em um importante vetor de desenvolvimento econômico e social para muitos vilarejos, ao longo dos mais de 500 quilômetros de litoral que banham o Ceará. Em muitos desses locais, quase não se escuta o idioma português. São atletas de várias nacionalidades, continentes e culturas, em busca de um mesmo objetivo.
Há oito anos, o argentino Gonzalo Aldazabal cruzou o Oceano Atlântico movido por uma paixão: o kitesurfe. Desde então, foi arrebatado pelo encanto do Ceará. “Cheguei aqui porque é o melhor lugar do mundo para fazer kite”, afirma. “São seis meses de vento, venta todo dia, tem água quente, sol… tudo o que você precisa”, acrescenta.
Muitos desses estrangeiros também enxergam no estado uma oportunidade de investir, o que reforça o potencial do kitesurfe no desenvolvimento econômico. Gonzalo é um desses exemplos: transformou a paixão em negócio. “Montei uma pousada, uma escola de kite e também um restaurante. Fiquei porque queria trabalhar com um esporte que amo – e aqui tem tudo o que precisamos”, relata.
Durante a temporada dos ventos, o complexo de Gonzalo costuma ficar lotado. O movimento de kitesurfistas se estende até o fim de janeiro, quando ainda há bons ventos na Ilha do Guajirú. “Recebemos turistas de todo o mundo – da Europa, muitos argentinos, chilenos, uruguaios, australianos e canadenses vêm fazer kite aqui”, conta.
Suíços também estão entre os visitantes que se encontram durante uma tarde de velejo na Ilha do Guajirú. A Chiara Fässler é um deles e conta por que escolheu o Ceará para praticar kitesurfe. “Ouvi de vários amigos que aqui é o melhor lugar para praticar. O vento é constante o dia todo, todos os dias. Você pode surfar em água mais plana, mas também tem ondas”, frisa.
Antes de desembarcar no estado, Chiara costumava surfar no Egito. Ela deu seus primeiros passos na modalidade ainda criança, influenciada pelo pai, mas lamenta que ele nunca tenha vindo ao Ceará. “Aqui é um dos melhores lugares do mundo em que já estive”, afirma.
Após duas semanas de estadia na Ilha do Guajirú, Chiara voltará ao seu país de origem com boas recomendações do Ceará. “Eu falarei para eles que é um ótimo lugar para praticar kite, porque os ventos são sempre bons, fortes e constantes. A água é quente e você não precisa usar roupas térmicas. A natureza também é muito linda, a comida é boa e tudo que envolve o kite é muito bom”, conta.
Mas antes que esse momento chegue, ela aproveita seus dias de velejo com muita alegria e liberdade – como ela mesma descreve. “Você esquece tudo, todos os seus problemas desaparecem quando está na prancha. O pôr do sol e a água azul são incríveis. Além disso, a temperatura é sempre agradável”, acrescenta, afirmando ter ficado surpresa com o que encontrou no Ceará.
Nenhum outro lugar do mundo é igual
Para a mexicana Marion Bohnel, que há 11 anos é atleta de kitesurfe, velejar no Ceará é diferente de qualquer outro lugar do mundo. No seu país, ela é proprietária de uma escola de kite e, durante esse período de experiência com o esporte, sempre ouviu falar do Brasil – especialmente do Ceará. Marion conta que precisou vir ao estado para conhecer as pessoas, os ventos e os lugares. “E realmente é tudo isso [de bom que falam]”, afirma.
Pela primeira vez desfrutando do litoral da Terra da Luz, ela comenta que, entre todos os estados brasileiros, o Ceará é o mais conhecido pela prática do kitesurfe, o que reforça seu protagonismo no cenário internacional. Esse destaque não é por acaso: além das condições favoráveis, a posição estratégica do estado – na chamada “esquina do Atlântico” – facilita o acesso de diversas nacionalidades.
Em menos de dez horas de viagem, por exemplo, turistas conseguem chegar ao estado em voos diretos. Paris e Lisboa, na Europa, são exemplos dessas conexões; pelo Cone Sul, argentinos, uruguaios e chilenos encontram facilidade em desembarcar. Na América do Norte, há voos diretos a partir de Miami e Orlando.
De acordo com dados da Secretaria do Turismo do Ceará (Setur), o número de turistas estrangeiros nesse segmento saltou de 297.515 em 2024 para 350 mil em 2025, um aumento de 17,6%. Quem empreende no ramo também sente o crescimento do número de estrangeiros que buscam o estado com esse objetivo.
Há dez anos, Tomaz André fundou a escolinha Soulkite, na Ilha do Guajiru, no município de Itarema. Durante o segundo semestre do ano – período da temporada dos ventos -, ele avalia que a chegada de turistas internacionais aumenta cerca de 95% na região, impulsionando o faturamento do seu negócio que hoje é a principal fonte de renda da sua família. As aulas variam de preço, mas custam a partir de R$ 300, incluindo o aluguel dos equipamentos.
O instrutor conta o que mais escuta dos atletas internacionais, além das condições meteorológicas favoráveis à prática do kite: “O encanto com o Ceará, a surpresa que eles têm com o colorido e a beleza da nossa terra, a hospitalidade, a gastronomia tão peculiar e o modo de preparo”.
Em outro ponto do litoral cearense, o Cauípe desponta como referência para a prática do esporte. Por ali, o kitesurfe contribui, desde o início dos anos 2000, para a transformação econômica e social do vilarejo de pescadores. Raimundo Ferreira, conhecido por todos como Bê do Kite, é proprietário de uma barraca às margens da lagoa procurada por kitesurfistas do mundo todo.
De acordo com ele, os europeus formam o público majoritário de atletas que visitam a Lagoa do Cauípe, além de estadunidenses e asiáticos. “Aqui é um lugar especial. O Cauípe é, hoje, um dos melhores lugares, inclusive palco de campeonatos mundiais. Vem gente do mundo todo para cá, e isso é maravilhoso”, diz. Sua barraca, que fica às margens da lagoa, tem 80% do faturamento influenciado pelo kite, com o consumo dos atletas.
Do peixe fresco ao tradicional baião de dois, acompanhado de macaxeira ou batata frita – conforme o pedido do cliente -, o local oferece ainda outras iguarias da gastronomia cearense. Além disso, a água de coco é a escolha perfeita para hidratar-se após um velejo dos sonhos “no melhor lugar do mundo”, como definiu no início dessa reportagem o argentino Gonzalo Aldazabal.









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