Opinião: Apesar da troca de embaixadores, atentado contra Cristina Kirchner prova que a diplomacia brasileira segue sendo desastrosa

Por Matheus Moreira/ Agência News Cariri 

Na noite de quinta-feira (01), a atual vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, sofreu um atentado enquanto chegava em casa, no Bairro Recoleta, em Buenos Aires. Quem é o principal suspeito? Um brasileiro! Fernando Andrés Sabag Montiel, de 35 anos, típico extremista da nova onda “alt-right”. Bolsonaro, chefe do executivo do maior parceiro comercial da Argentina, também vítima de um atentado em 2018, demorou mais de 12 horas para se pronunciar sobre o assunto. Um hiato temporal que escancara ainda mais a  péssima condução da política externa brasileira.

 

Fernando Andé Sabag/ La Nacion

 

A eleição americana de 2016, não só alçou Donald Trump ao poder, como fez-se de exemplo máximo da consolidação de um projeto que infestou outros países. Polônia, Hungria, Reino Unido, Itália, Grécia, a lista segue, cada um à sua maneira, ergueu, Líderes que emulavam este novo formato tosco de condução política. No Brasil não foi diferente, Bolsonaro chegou ao Palácio da Alvorada prometendo um programa ideologicamente similar. Mobilizando os quadros mais reacionários e insatisfeitos com o imaginário criado pelas teorias conspiratórias de Steve Bannon, e articuladas nacionalmente por Olavo de Carvalho.

O Brasil e América-latina, eram interpretados como corrompidos pelo “comunismo globalista do foro de São Paulo”, que implantou o marxismo cultural e a ideologia de gênero nas escolas, espaços públicos e esferas de poder. Um discurso perigoso, replicante das velhas teorias nazifascistas do séc XX, que culpavam as crises econômicas do capitalismo  através da conspiração criada pelos “banqueiros Judeus, e seu bolchevismo cultural soviético”.

Ninguém escapou das canetadas responsáveis por enraizar paulatinamente esta forma de ler o mundo nas instituições de governo e estado. Do ministério da educação, ao Itamaraty, os porta-vozes mais ferrenhos assumiram a dianteira do novo fazer político. 

 

Reunião realizada em março de 2019 na Casa Branca. Nela, se reuniram Olavo de Carvalho, Steve Bannon, Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro/ Reuters

 

Apesar de ridicularizado pelos seus pares, isso não impediu que o ex-ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, fizesse de um dos mais respeitados corpos diplomáticos do mundo, motivo de piada e desdém ao redor do globo. O Brasil, antes visto como ponto de equilíbrio para resoluções pacíficas no plano internacional, começou a ser recebido com preocupação e cautela nas embaixadas e conferências. Distanciando-se do bloco dos emergentes BRICS, Mecorsul, e rompendo a tradição secular, de uma diplomacia interlocutora dos direitos humanos e de combate ferrenho ao aquecimento Global.

Os deslizes são incontáveis, durantes os 800 dias em que esteve à frente do Itamaraty, Ernesto: Atacou as representações entre Brasil e China, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, deixou escapar entre os dedos, as relações multilaterais entre o Mercosul e União Européia.

Os vexames obtiveram seu ponto crítico na pandemia de Covid-19, indo contra a corrente mais humanista, e obedecendo aos interesses dos Estados Unidos,  o Brasil se posicionou contrário a quebra de patentes de vacinas, proposta pela Índia, na Organização Mundial do Comércio. Deu cota mínima para o consórcio internacional de compra de imunizantes, além do já bem noticiado descaso, aos 101 e-mails enviados pela Pfizer.

 

Ex-ministro Ernesto Araújo tenta justificar o injustificável na CPI da Covid-19/ Agência Senado

 

Tudo isso culminou em uma carta aberta publicada no dia 27 de março de 2021. Nela, anonimamente, diplomatas de carreira pediam a saída imediata do Chanceler. O documento, somado à uma forte oposição no senado liderada por Kátia Abreu (Progressistas),  criou uma irremediável insustentabilidade no cargo, obrigando o presidente Bolsonaro a substituir dois dias depois,  Ernesto Araújo,  por Carlos França. Uma saída pela porta dos fundos, indigna do legado de Barão do Rio Branco.

Se engana quem acreditou em mudanças. apesar do perfil sóbrio, França é   mais um, no teatro geral das coisas. O real problema, se encontra sentado na cadeira de Presidente da República.

Nada ilustra melhor o lado cômico dessa história, do que a  recente declaração de Ernesto Araújo, sobre o assunto. Para o ex-ministro, o atual Chanceler teria tornado a diplomacia brasileira “Irrelevante”.  De certa forma, podemos considerar um salto, de “escandalosa” e “incompetente”, saltou para “irrelevante”. 

 

Carlos França/ Defesanet


Dos últimos meses pra cá, os desafios impostos não cessaram, do posicionamento Brasileiro frente ao conflito entre Ucrânia e Rússia, às recentes declarações sobre os presidentes Latino-americanos expostas no debate transmitido pela Band, que culminaram na convocação do embaixador Brasileiro em Santiago, no Chile. Este tipo de reação é considerada séria nos circuitos diplomáticos, sendo muitas vezes, o prenúncio de um corte total de relações entre nações.

“Lula apoiou o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tocar fogo em metrôs, lá no Chile. Pra onde está indo o nosso Chile?” afirmou Bolsonaro, pondo um enorme elefante Branco no salão de conversas diplomáticas. Em resposta, A chanceler do Chile, Antônia Urrejola, classificou a fala como “gravíssima”, e continuou: “A desinformação e notícias falsas corroem a democracia, mas também neste caso, corroem a relação bilateral.”. O modus operandi bolsonarista é incrivelmente efetivo na geração de contendas, mesmo em relações tão bem consolidadas como a do Brasil e do Chile.

 

O desastre da vez, agora, é o novo golpe, quase silencioso, imposto a outro vizinho continental. Minutos após as notícias do atentado contra Cristina Kirchner terem se espalhado, todos os candidatos à presidência, já haviam se manifestado publicamente repudiando o ocorrido. Lula (PT), Ciro (PDT), Tebet (MDB)  não pouparam palavras em apoio à líder peronista. Até mesmo,  a ex-presidente Dilma Rousseff se solidarizou.

No circuito internacional não foi diferente, a maioria dos líderes sul-americanos prontamente emitiram notas públicas sobre o ocorrido. Em atraso, o Itamaraty emitiu uma nota oficial no início da noite desta sexta-feira (02).

 

 

 

 

 

Carlos França  se solidarizou publicamente através de uma fala no Jornal O Globo. Não sem antes, obedecer uma agenda programática governista, mencionando o atentado de Bolsonaro em 2018. Fala que poderia ser bem vinda, se não fosse tão explícito o caráter propagandístico. 

Bolsonaro, ferrenho usuário das plataformas digitais, não emitiu nenhuma opinião a respeito nestes veículos. Ontem (02), em meio aos militantes de um evento de campanha no Rio Grande do Sul, falou para jornalistas: “Eu já mandei uma notinha. Eu lamento. Agora, quando eu levei a facada, teve gente que vibrou por aí. Lamento, já tem gente que quer botar na minha conta já esse problema. E o agressor ali, ainda bem que não sabia mexer com arma. Se soubesse, teria sucesso no intento”, Ao falar mais de si do que sobre o atentado, o presidente revela suas reais intenções.

O questionamento posto na mesa é: se caso, fosse um presidente dos mesmos valores compactuados por Bolsonaro, qual seria a velocidade de reação do governo? Quando quis, rapidamente emitiu uma opinião sobre as eleições americanas realizadas em 2020, declarando apoio aberto ao seu párea yankee, Donald Trump, em detrimento do atual chefe da casa branca Joe Biden. Até o momento, a relação entre os dois países segue no mínimo, desconfortável.

 

DE MÃOS DADAS – Bolsonaro e Donald Trump/ Alan Santos/ PR/


Cabe lembrar,  o líder populista da da extrema direita nacional não é estupido, tão pouco desinformado. Sabe o quão caro é eleitoralmente, demonstrar afeto e empatia.

Replicar palavras defendendo valores democráticos? Esqueça! Apesar de lutar contra seus ímpetos selvagens em uma campanha disputada nos detalhes, seus atos falhos sempre subvertem qualquer tentativa de mascarar os absurdos feitos e falados.

A “notinha” poderia ser usada como bom gesto de reconciliação. Mas quem disse que conciliar é o papel deste governo? Não. Quanto maior for o ambiente de conflito, do “nós contra eles”, da irracionalidade, do inimigo comum, melhor é o ambiente eleitoral. A velha solidariedade entre os povos seria autofágica para Bolsonaro.

O texto acima é a opinião do seu autor e não emite o posicionamento oficial do News Cariri sobre o assunto.