Brechas das leis estaduais estimulam desmatamento na Amazônia, diz estudo

Um arcabouço legal que incentiva a grilagem e o desmatamento de florestas públicas na Amazônia, gerido por órgãos estaduais desestruturados e pouco transparentes.

Essa é a imagem que fica após a leitura do relatório “Dez Fatos Essenciais sobre Regularização Fundiária”, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), resultado de quatro anos de levantamento da legislação fundiária dos nove estados da Amazônia Legal e do governo federal.

Somados, esses governos estaduais são responsáveis pelo gestão de 86,1 milhões de hectares, ou 17% da Amazônia Legal -área pouco maior que o Chile. Uma importância que não é levada em conta no debate sobre as causas do desmatamento, segundo a pesquisadora paraense Brenda Brito, 38, coordenadora do estudo.

“Digamos que o projeto de lei no Congresso fosse muito bom. Não é o caso, mas, se fosse, não resolveria. Porque ainda haveria, nos estados, uma legislação dizendo que não tem limite temporal para ocupar terra pública estadual, que alguém pode desmatar sem apresentar um termo de recuperação”, disse Brito em entrevista à Folha.

Brenda Brito é pesquisadora associada do Imazon, em Belém, bacharel em direito pela Universidade Federal do Pará e mestre e doutora em ciência do direito pela Universidade Stanford (EUA).PERGUNTA – De que forma a legislação fundiária, tanto as estaduais quanto a federal, explica o desmatamento na Amazônia?

BRENDA BRITO – Há muitas brechas para que as pessoas que ocupam e desmatam recebam os títulos, principalmente por meio das legislações estaduais. E, quando não existe essa brecha, a lei acaba mudando. E o caso dessa tentativa atual no Congresso.

Se alguém está ocupando por um tempo mínimo -quando se pede o tempo mínimo- e preenche outros requisitos, vai ser titulado. É quase um direito, mas, na prática, a pessoa está ocupando e desmatando terra pública. Não há barreiras para impedir essa conduta.P. – Levantamento recente mostrou que nenhuma Assembleia Legislativa da Amazônia tem uma frente parlamentar ambiental. Por outro lado, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia de Rondônia foi investigado por grilar área protegida. Como aprimorar a legislação nessa realidade?

BB – É um dos maiores desafios. Fora a alteração federal, houve outras seis alterações estaduais. Isso está acontecendo, e as pessoas não percebem. Há a necessidade de levar esse tema para o debate público, de chamar a atenção. Todos falam da regularização fundiária, mas o foco é federal, por vários motivos. É preciso olhar para os estados.

Digamos que o projeto de lei no Congresso fosse muito bom. Não é o caso, mas, se fosse, não resolveria. Porque ainda haveria, nos estados, uma legislação dizendo que não tem limite temporal para ocupar terra pública estadual, que alguém pode desmatar sem apresentar um termo de recuperação.

No levantamento que fizemos, a maior parte dessa área que não tem informação de destinação fundiária é estadual. Então precisamos trazer essa discussão para o debate que está acontecendo nacionalmente. Se depender só das Assembleias, não vai andar.P. – O estudo identificou preços muito baixos do Valor da Terra Nua (VTN) cobrados pelos estados para fazer a regularização fundiária. Qual é o peso disso na hora de “investir” no desmatamento ilegal?

BB – Colocamos no relatório o VTN básico, sobre o qual serão aplicados os descontos. Cada estado, incluindo o governo federal, ainda pode diminuir o valor. Mesmo o VTN é um valor relativamente alto em relação ao que pode ser cobrado na prática.

Os governos argumentam que não podem cobrar um valor alto porque aquilo é para facilitar o produtor a ter título, acessar o crédito, investir, produzir e conservar. Seria, portanto, um estímulo.

Fonte: Notícias ao minuto