CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO CEARÁ

SEDUC-CE SEM RESPOSTAS
Através de correspondência datada de 1º de fevereiro p. passado, a professora Valdênia Araújo, da rede estadual de ensino do Ceará, questionou o secretário Idilvan Alencar sobre a incoerência de se adotar o ensino de redação dissociado do conjunto da Língua Portuguesa.

Segundo a professora, a medida contraria o que propõem a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, DCNEM – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e os PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, o que provocará, portanto, prejuízos na “aprendizagem significativa pautada pelo desenvolvimento de competências e habilidades” apontadas nos referidos documentos.

Vejam, abaixo, a íntegra da mensagem:
Crato-CE, 1º de fevereiro de 2017.
Ilmº Secretário da Educação do Estado do Ceará
Sr. Antonio Idilvan de Lima Alencar
Senhor Secretário,
De acordo com a Portaria nº 1433/2016-GAB, publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará nº 240, datado de 21 de dezembro de 2016, fica estabelecido como Componente Curricular obrigatório o ensino de “Redação”, dissociado do ensino de Língua Portuguesa.

A questão, neste contexto levantada, reside nas implicações conceituais, pedagógicas e, sobretudo, filosóficas que essa fragmentação da disciplina impõe às práticas de ensino. Não se trata de apenas não concordar com a divisão da disciplina, em tempos de contextualização, e nem de discordar da “nova” perspectiva de abordagem teórico-metodológica para o ensino de língua portuguesa, mas de elucidar que por trás do talvez inocente acréscimo de um termo (redação) aos Componentes Curriculares, outras concepções de língua, de texto e de ensino-aprendizagem estão embutidas.

Conforme Antunes (2009:218), “… ensinar línguas e avaliar ensino de línguas são atividades que refletem as concepções que temos acerca do que é língua, do que são seus diferentes componentes, e de como tais componentes intervêm na sua atualização. Dessas concepções vai derivar, naturalmente, o próprio objeto de ensino e da avaliação das questões linguísticas. Objetivos e conteúdos, atividades práticas, tudo vai ser consequência das linhas teóricas às quais emprestamos credibilidade e saliência”.

Perpetuar concepções obsoletas que muitos ainda têm de ensino de línguas na perspectiva da produção escrita gera textos sem funcionalidade, sem contexto e sem uso, desprovidos, praticamente, de qualquer valor interacional, sem autoria e sem recepção. Uma produção escrita em que “não há um sujeito que diz, mas um aluno que devolve a palavra que lhe foi dita pela escola”. (Geraldi, 2001:127).

Nessa perspectiva o ensino de redação em nada contribuirá para uma aprendizagem significativa pautada pelo desenvolvimento de competências e habilidades. Seu objetivo é estritamente disciplinar, uma vez que o aluno escreveria para atender às exigências do professor ou treinar para o vestibular.

Além de tudo, o ensino de “Redação” não coaduna com os referenciais teóricos defendidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que adotam o texto como unidade de ensino, e os gêneros textuais discursivos como objetos desse ensino. Quando se postula tomar os gêneros como objetos de ensino, evidentemente aponta-se um processo de ensino-aprendizagem de língua materna, cuja visão de língua privilegia sua natureza dialógica e interativa, sua dimensão discursivo-textual e sua irrestrita e inevitável dependência das muitas condições de uso. Não podemos negar, portanto, o vínculo entre as concepções de língua e as atividades pedagógicas de ensinar, assim como de avaliar.

Ciente da seriedade e compromisso de Vossa Senhoria para com a causa da educação, aguardo resposta se deveremos ser coerentes com o que propõem os documentos oficiais (LDB, DCNEM, PCNEM) ou se tomaremos como objetivo para a formação de nossos alunos do ensino médio o ensino de “Redação” em detrimento de um processo de ensino-aprendizagem de produção de textos que permeiem as esferas de comunicação na qual os nossos alunos estão inseridos.

Atenciosamente,

Profa. Valdênia Maria Ferreira Araújo
Matrícula 158742-1-X