Em carta, Palhaço Chocolate relembra os sacrifícios de Ulisses, o seu criador

Palhaço Chocolate é atração de eventos — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Publicidade

Ulisses Dornelas, nesses 44 anos em que estamos juntos, eu sempre falei às crianças, mas agora gostaria de me dirigir a você. Você que me deu vida quando criou o Palhaço Chocolate. Você que prepara o palco para que eu possa brilhar. Você que é a voz por trás de cada brincadeira que faz as crianças sorrirem. (Veja vídeo acima)

Ulisses, você brinca que nós somos irmãos gêmeos, mas a verdade é que nós somos um só. E quantas coisas vivemos ao longo de mais de quatro décadas…

Quem diria que aquele menino criado em Jatobá, pertinho de Ouro Preto, em Olinda, viraria palhaço? Quem diria que o filho de dona Maria do Carmo, professora, e de seu Adalberto, militar, se tornaria o maior símbolo infantil de um estado inteiro?

Ulisses, você sempre gostou do mundo das artes: o teatro, a música, a dança, o circo. E foi debaixo daquela lona mágica onde os sonhos acontecem que eu nasci. Na primeira vez que você pintou o rosto para alegrar o público, me senti vivo.

O começo foi complicado. Era época de ditadura, ninguém acreditava no artista. Naquele tempo, fazer arte era coisa de vagabundo. A gente não podia se expressar, mas você foi esperto e corajoso. Bolou espetáculos com metáforas, transformou animais em personagens e seguiu adiante.

Palhaço Chocolate é atração de eventos — Foto: Marlon Costa/Pernambuco PressPalhaço Chocolate é atração de eventos — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Palhaço Chocolate é atração de eventos — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

Passamos por dificuldades financeiras, mas eu sempre vi sua luta para que a gente pudesse vencer. Na falta de dinheiro para montar os cenários das peças, você pegava caixas de papelão, recortava e pintava. De repente, com quase nada, criava casas, árvores, carros, mundos. E aos poucos as coisas foram melhorando. Em vez de papelão, papel de rolo.

Ulisses, no início eu não tinha nome. Até que você entrou naquele grupo de recreadores, a Família dos Bombons, e encarnou um personagem. Foi a partir dali que passei a me chamar oficialmente Palhaço Chocolate. Fizemos festas de aniversário, de escolas, de empresas… Até que a Família dos Bombons acabou. Ficamos eu e você. E todas as crianças do planeta.

O Palhaço Chocolate, então, cresceu. Graças a você, Ulisses, veio o circo Rataplan, o Hipopocaré, a Bela Adormecida… Mais de 100 peças. Ninguém fez mais festas de aniversário do que nós.

Às vezes, eram quatro, cinco por noite. Em um ano, chegamos a fazer 960 apresentações. Abrimos shows dos Trapalhões, Balão Mágico, Sandy & Júnior, Xuxa, Trem da Alegria.

Tudo que você fez na vida foi pensando em mim. Formou-se em pedagogia, psicologia, administração de empresas e marketing, mas sempre com um único objetivo: o crescimento do Palhaço Chocolate.

Pedagogo porque interpretar também é ensinar. Psicólogo para entender o ser humano. Administrador para saber dirigir a carreira. Palhaço por vocação e destino. Pai de dois filhos, um advogado e uma bailarina, que têm muito orgulho de você.

Sabe, Ulisses, eu bem sei o que o Dia das Crianças representa para você. Sou testemunha e protagonista também de seu suor e sua entrega para fazer cada apresentação no Parque Treze de Maio, no Recife, dar certo.

Subir naquele palco e olhar a multidão feliz é algo que não tem preço. Ali, diante daquelas 50 mil pessoas, somos plenos. O Ulisses e o Chocolate. O criador e a criatura. O artista e sua arte.

Gostaria de recordar uma história que pouca gente conhece, mas que dá a dimensão do que eu, Palhaço Chocolate, significo para você, Ulisses. Há 20 anos, você teve um câncer de pulmão. Talvez o momento mais difícil de nossa vida.

O tratamento, a cirurgia, os medos, as incertezas. No meio disso tudo, o Dia das Crianças. Você, mesmo recém-operado, decidiu encarar a festa no Parque Treze de Maio. O público não percebeu, mas havia um balão de oxigênio no palco. A cada falta de ar, o Ulisses ia lá e retomava o fôlego. Tudo para não deixar a criançada sem o Palhaço Chocolate.

Alguns anos depois, Ulisses, você teve uma tosse insistente e foi até o hospital. Durante uma punção, seu pulmão foi perfurado. Era segunda-feira e uma simples ida a uma unidade de saúde se transformou em internação. No sábado, tinha Estação Brincar no município de Glória de Goitá, na Mata Norte.

A TV chamava as pessoas para o show. Você, angustiado com a situação, não teve dúvida: disse à equipe médica que não poderia faltar à apresentação. Vestiu a fantasia, pintou o rosto, deu vida mais uma vez a mim, Palhaço Chocolate, e fez a alegria de mais de 10 mil pessoas. No palco, eu esqueci as dores. Depois, você voltou ao hospital.

É até estranho falar sério, prefiro fazer minhas palhaçadas, mas essa carta é um agradecimento que eu precisava fazer.

Admiro muito seu amor e sua devoção às crianças. São 44 anos trabalhando em média 14 horas por dia. Quem vê o palhaço no picadeiro não imagina o esforço que há por trás dele. Eu sei que você às vezes fica cansado e até desanimado, Ulisses. Que dorme pouco, que rala muito para deixar tudo pronto, que passa mais tempo no palco do que em casa.

Mas eu também sei que o sorriso de cada criança te revigora, porque essa é a sua missão. A nossa missão. Fomos escolhidos para levar alegria aos outros e, como você mesmo diz, faremos isso até o dia em que o coração parar de bater.

Palhaço Chocolate — Foto: Reprodução TV GloboPalhaço Chocolate — Foto: Reprodução TV Globo

Palhaço Chocolate — Foto: Reprodução TV Globo

Fonte: G1

Publicidade

Leia também